Um texto de Paula Cristiane
No último fim de semana estive em Assis, interior de São Paulo, para a despedida de um casal de amigos que estão partindo da cidade, caminhando em direção a um futuro que certamente lhes trará grandes experiências. Para não dirigir sob o entardecer cada vez mais escuro do interior, ficamos, eu e uma colega, na casa de outra amiga que reside também na cidade. O que elas têm em comum? São minhas amigas, psicólogas, professoras, e acima de tudo: têm gatos. É claro que a última característica, além de curiosa, é fundamental para minha reflexão. Elas, assim como grande parte das minhas professoras, têm gatos como companhia no dia a dia. Assim surge, volta e meia, uma discussão saudável que põe em pauta a fidelidade dos felinos. Ouvi, curiosamente, da amiga que me ofereceu estadia: “para ter gatos você precisa aprender a respeitar a liberdade deles(…)”
Sempre pensei que sabia respeitar essa tal liberdade. Descobri que não é tão simples assim. Fiz uma reflexiva associação entre os animais e minha relação com os amigos, coube simetricamente e pude então entender qualquer coisa sobre mim, eles e essas criaturinhas de quatro patas. Torna-se importante dizer que os cães me atraem, amigos fieis sempre ao lado. Faça chuva faça sol eles nos acompanham e se divertem com nosso retorno para casa após um longo dia de trabalho. Outro ponto importante que deve ser considerado é que eu, fundamentalmente, sou reflexo das minhas relações: simplesmente não saberia viver só. Essas relações são saudáveis e cuido para que os amigos sejam sempre lembrados. Desdobro-me para ter tempo para o trabalho, os estudos, a casa, família e amigos, mesmo vivendo na loucura que nosso século oferece.
Tenho amigos “cachorros”, parceiros para todas as horas. Como é bom tê-los por perto e sentir que sou querida por eles, como é bom quando, num mundo individualista, encontramos pessoas que nos alimentam dos prazeres que uma boa amizade pode oferecer. Mas, embora sejam a maioria, não são tudo o que há em mim, além dos amigos “cachorros” existem os que estão mais para “gatos” mesmo. Esses são curiosos, têm aquela tal liberdade com que eu pensei que sabia lidar. Sei nada. É diferente ver como se apresentam, como se aproximam, quando juntos interagimos bem, mas aquela proximidade frequente que os cães nos oferecem não. Gatos aparecem, não quando precisam de comida necessariamente, mas, quando querem aparecer, quando se sentem bem para tanto.
Não se trata de jogo, pouco caso, infidelidade ou, até mesmo, deslealdade, é Liberdade mesmo com todas as letras. É um charme que os cachorros não têm, e possivelmente não terão; um mistério singular que exige muito dos adeptos da matilha. Devo admitir que os gatos têm seu charme, seu encanto. Talvez eu adote um. Assim posso entender mais sobre meus amigos, assim posso tentar entender mais sobre essa liberdade. A inquietude que causa não saber se estão bem, por ora, tento substituir pela certeza de que gatos são espertos, sabem bem se cuidar sozinhos.
As amizades vêm e vão, algumas é uma pena deixar ir. Mas será que vão mesmo? Hora ou outra, quando menos esperamos, não como os cães mas como gatos, eles aparecem e tudo, por alguns minutos, volta a ser como sempre foi. E então eles somem, felinos que são, para gozar de uma liberdade sem frescura. Até o acaso os fazer voltar. Se quiserem ficar, a porta aberta não será um problema, se quiserem ir, fechar tudo não será eficaz. A questão é que devemos aprender a aceitar os afetos que construímos, cada um a seu modo, como deve ser.